Ele só queria pescar. Mas o destino o fez empreender
Acordava antes do sol. Sempre. Às vezes às 4h, outras vezes às 3h30, quando a maré pedia pressa. Arlindo era pescador desde os 12 anos. Aprendera com o pai, que aprendeu com o avô, e que sempre dizia: “quem conhece o mar, não precisa de relógio”. O mar era o relógio. Era a mesa de trabalho. Era a escola, a prisão e o altar. Com seu pequeno bote a motor, Arlindo tirava da água o sustento da família — peixe por peixe, suor por suor. Nunca pensou em fazer outra coisa. Nunca teve tempo de pensar. Até o dia em que tudo mudou.
Era uma manhã nublada, e o vento soprava do sul — um sinal que os mais antigos temiam. Mesmo assim, Arlindo foi. Tinha contas atrasadas, a filha precisava de cadernos novos, e a esposa fazia milagre todo mês com um orçamento que parecia piada. O bote partiu com o motor roncando baixo. Ao meio-dia, o céu escureceu de vez. O mar, que amanhecera calmo, começou a se revoltar. Ondas de três, quatro metros começaram a engolir o horizonte. Arlindo tentou voltar, mas uma das ondas atingiu a lateral do barco com força. O motor desligou. E ele foi lançado para o nada.
O pescador lutou por quase uma hora contra a corrente. Sozinho, agarrado a uma tampa de isopor. Foi resgatado por outro barco que voltava da faina, já quase inconsciente. Passou três dias internado. E, quando acordou, escutou da boca do médico uma frase que travou o tempo: — Não poderá mais pescar, Arlindo. A coluna foi afetada. Um novo esforço pode te deixar paralítico.
Ali, naquele segundo, o chão desapareceu. Como assim não poderia mais pescar? O que ele sabia fazer além disso? A resposta parecia cruel: nada. Voltou pra casa com o corpo quebrado e a alma vazia. Os vizinhos falavam em “azar”, os amigos diziam “vai passar”. Mas dentro dele, havia só silêncio e medo. Sentia-se inútil. Um peso para a família. Chorava escondido no quintal, durante a madrugada. Até que algo inesperado aconteceu.
Foi sua filha, de apenas 10 anos, quem acendeu a primeira chama. Um dia, ela chegou com um desenho nas mãos: “Papai, fiz um barco igual ao seu... mas esse aqui é diferente. Ele voa.” Arlindo sorriu, sem forças para explicar que barco nenhum voava. Mas aquele gesto, simples e puro, ficou martelando na cabeça dele.
Se não podia mais pescar... talvez pudesse ensinar os outros a pescar.
Nas semanas seguintes, com ajuda do irmão e do celular velho que tinha em casa, Arlindo começou a gravar pequenos vídeos explicando técnicas de pesca, cuidados com o motor, como identificar correntes perigosas e como conservar o pescado. Postava no Facebook, depois no YouTube. No início, pouca gente via. Mas aos poucos, os pescadores mais jovens começaram a comentar. Alguns vinham até sua casa pra pedir mais dicas. Outros mandavam áudios dizendo: “esse vídeo me salvou”.
Foi aí que nasceu uma ideia: e se ele criasse um pequeno centro de formação para pescadores? Um lugar onde os jovens pudessem aprender o que ninguém ensinava nas escolas? Com apoio da cooperativa local, Arlindo conseguiu um espaço emprestado. Começou a dar aulas, organizava encontros mensais, distribuía panfletos feitos à mão. Logo, parceiros apareceram: ONGs, associações comunitárias, até empresas interessadas em financiar projetos de pesca sustentável.
Dois anos depois, Arlindo fundou oficialmente a Escola de Pesca e Maricultura Comunitária de Tarrafal. Um projeto que formou mais de 400 jovens, reduziu os acidentes no mar e aumentou a renda de dezenas de famílias. Aquele homem que pensava estar acabado virou referência. Palestrava em universidades, dava entrevistas para televisão e recebeu prêmios nacionais por seu impacto social.
Mas nada disso o fazia se sentir mais orgulhoso do que ouvir os meninos da vila dizerem: — Quando eu crescer, quero ser igual o senhor, Arlindo. Um pescador que ensina.
Hoje, mesmo com dores na coluna, Arlindo sorri todo dia ao abrir o portão da escola. Porque aprendeu algo que o mar nunca tinha ensinado: que quando as ondas te derrubam, às vezes é só pra te mostrar que existe um caminho que você nunca teria visto... se continuasse flutuando.
Era uma manhã nublada, e o vento soprava do sul — um sinal que os mais antigos temiam. Mesmo assim, Arlindo foi. Tinha contas atrasadas, a filha precisava de cadernos novos, e a esposa fazia milagre todo mês com um orçamento que parecia piada. O bote partiu com o motor roncando baixo. Ao meio-dia, o céu escureceu de vez. O mar, que amanhecera calmo, começou a se revoltar. Ondas de três, quatro metros começaram a engolir o horizonte. Arlindo tentou voltar, mas uma das ondas atingiu a lateral do barco com força. O motor desligou. E ele foi lançado para o nada.
O pescador lutou por quase uma hora contra a corrente. Sozinho, agarrado a uma tampa de isopor. Foi resgatado por outro barco que voltava da faina, já quase inconsciente. Passou três dias internado. E, quando acordou, escutou da boca do médico uma frase que travou o tempo: — Não poderá mais pescar, Arlindo. A coluna foi afetada. Um novo esforço pode te deixar paralítico.
Ali, naquele segundo, o chão desapareceu. Como assim não poderia mais pescar? O que ele sabia fazer além disso? A resposta parecia cruel: nada. Voltou pra casa com o corpo quebrado e a alma vazia. Os vizinhos falavam em “azar”, os amigos diziam “vai passar”. Mas dentro dele, havia só silêncio e medo. Sentia-se inútil. Um peso para a família. Chorava escondido no quintal, durante a madrugada. Até que algo inesperado aconteceu.
Foi sua filha, de apenas 10 anos, quem acendeu a primeira chama. Um dia, ela chegou com um desenho nas mãos: “Papai, fiz um barco igual ao seu... mas esse aqui é diferente. Ele voa.” Arlindo sorriu, sem forças para explicar que barco nenhum voava. Mas aquele gesto, simples e puro, ficou martelando na cabeça dele.
Se não podia mais pescar... talvez pudesse ensinar os outros a pescar.
Nas semanas seguintes, com ajuda do irmão e do celular velho que tinha em casa, Arlindo começou a gravar pequenos vídeos explicando técnicas de pesca, cuidados com o motor, como identificar correntes perigosas e como conservar o pescado. Postava no Facebook, depois no YouTube. No início, pouca gente via. Mas aos poucos, os pescadores mais jovens começaram a comentar. Alguns vinham até sua casa pra pedir mais dicas. Outros mandavam áudios dizendo: “esse vídeo me salvou”.
Foi aí que nasceu uma ideia: e se ele criasse um pequeno centro de formação para pescadores? Um lugar onde os jovens pudessem aprender o que ninguém ensinava nas escolas? Com apoio da cooperativa local, Arlindo conseguiu um espaço emprestado. Começou a dar aulas, organizava encontros mensais, distribuía panfletos feitos à mão. Logo, parceiros apareceram: ONGs, associações comunitárias, até empresas interessadas em financiar projetos de pesca sustentável.
Dois anos depois, Arlindo fundou oficialmente a Escola de Pesca e Maricultura Comunitária de Tarrafal. Um projeto que formou mais de 400 jovens, reduziu os acidentes no mar e aumentou a renda de dezenas de famílias. Aquele homem que pensava estar acabado virou referência. Palestrava em universidades, dava entrevistas para televisão e recebeu prêmios nacionais por seu impacto social.
Mas nada disso o fazia se sentir mais orgulhoso do que ouvir os meninos da vila dizerem: — Quando eu crescer, quero ser igual o senhor, Arlindo. Um pescador que ensina.
Hoje, mesmo com dores na coluna, Arlindo sorri todo dia ao abrir o portão da escola. Porque aprendeu algo que o mar nunca tinha ensinado: que quando as ondas te derrubam, às vezes é só pra te mostrar que existe um caminho que você nunca teria visto... se continuasse flutuando.

