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A mulher que atravessou o deserto para salvar seu filho

Era madrugada quando a pequena vila de areia acordou com os ventos gritantes do Sahel. Na penumbra da casa de barro, Aminata apertava contra o peito o corpo febril de seu filho de apenas três anos, Issa. Seus olhos, vermelhos de vigília, denunciavam noites sem dormir. O menino ardia em febre há dois dias, e os remédios que conseguiram emprestado dos vizinhos já não faziam efeito. A febre aumentava, o choro diminuía. E foi nesse silêncio estranho que Aminata entendeu: se não fizesse algo agora, perderia seu filho nas próximas horas. 


A única esperança estava a 35 quilômetros dali — no pequeno posto de saúde da cidade de Kidal, no Mali. Só havia um problema: a vila de Aminata ficava isolada no meio do deserto, sem estrada, sem sinal de telefone, sem transporte. A única carroça da aldeia tinha quebrado há semanas, e o jumento que a puxava havia morrido de sede na última estação seca. A maioria dos homens estava fora, trabalhando em outra região para tentar sustentar suas famílias. As mulheres e crianças que restaram viviam à base de farinha de milho e esperança. Mas Aminata não hesitou. 

Vestiu um pano leve, amarrou o filho nas costas com o tecido tradicional boubou e saiu a pé, sob o céu escuro da madrugada. Atravessar o deserto, mesmo conhecendo o caminho, era um ato de coragem e quase loucura. Mas ela tinha fé. E a fé era tudo o que restava. Os primeiros quilômetros foram mais fáceis, pois o sol ainda não havia nascido. Mas conforme a manhã chegou, o calor se tornou uma parede invisível e sufocante. A areia queimava sob os pés, e cada passo era uma negociação com a dor.

Aminata parava de hora em hora para verificar se Issa ainda respirava. O menino já não chorava — dormia em delírio, entre gemidos e suspiros curtos. A água que levava acabou antes do meio-dia. Um velho cantil de plástico, herança do pai, que nunca mais voltou da guerra. Quando sentiu a garganta começar a rachar, ela se lembrou das histórias que a avó contava: “se um dia estiveres perdida no Saara, fala com o vento. Ele pode te levar ou te proteger.” E Aminata falou. Sussurrou para o vento como se ele fosse um velho amigo. E o vento, de forma estranha, mudou de direção. Uma brisa tímida veio do norte, onde havia pequenas árvores espinhosas — um sinal de que a cidade não estava longe.

Foram quase dez horas de caminhada. Aminata caiu duas vezes. Em uma delas, pensou em desistir. Mas quando escutou a tosse fraca de Issa nas costas, ela se levantou como se o chão a tivesse empurrado. Já no fim da tarde, coberta de areia, com os pés em carne viva e os olhos secos de tanto esforço, ela avistou a torre da pequena mesquita da cidade de Kidal. Era como ver um oásis. Cambaleou até a entrada do posto de saúde e desmaiou com o filho ainda preso nas costas.

Os enfermeiros correram. Foram minutos de tensão. Issa estava desidratado, com infecção avançada e febre altíssima. Mas respirava. A equipe médica agiu rápido. Soro, antibióticos, banho frio. Aminata só acordou na manhã seguinte, com uma enfermeira lhe oferecendo um copo de chá quente. O menino dormia ao lado, em paz. “Ele vai sobreviver”, disse a enfermeira. “Você o salvou.”

A história se espalhou por toda a região. Não era comum ver uma mulher atravessar sozinha o deserto por amor. Muitos homens da cidade, ao ouvirem a história, deixaram de lado o orgulho e começaram a levar mais a sério a coragem das mulheres de suas famílias. Algumas semanas depois, Aminata voltou para a vila — dessa vez, em um caminhão emprestado pela prefeitura. Levava consigo medicamentos, uma nova carroça e um jumento que a cidade inteira decidiu doar como agradecimento. E, claro, levava o filho no colo — vivo, saudável, sorridente.

Desde aquele dia, ela passou a ser chamada de “a leoa do Sahel”. E sua história virou lenda, contada ao redor das fogueiras para ensinar às crianças que o amor de uma mãe não conhece limites, que a fé move os pés mesmo quando o corpo diz não, e que em meio ao deserto, é possível encontrar vida — se a coragem andar ao teu lado.
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